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A mostrar mensagens de junho, 2009

o que o jardineiro disse a Mrs. traill

_ E agora é tão pobre a poesia que publicam. Mas nos velhos tempos não era assim, Pois outrora foi a linguagem da dor humana, E, na língua dos anjos, a dessa causa Pela qual arderam grandes almas, e os carvalhos floresceram. Eu, que sou amigo dos amarantos, reconheço Um bálsamo nesse nome, um bálsamo para estas praias. Mas agora usam palavras difíceis para coisas simples, Para as flores silvestres, e para as flores do lago. Folha da alegria, estrela em chamas , são palavras que hoje Pouco nos tocam, embora tenham sementes em forma de asa, Se os pobres pecadores como eu falarem Com Deus que humildemente pronuncia esses nomes com amor. in "AS CANTINAS E OUTROS POEMAS DE ÁLCOOL E DO MAR", Malcom Lowry Selecção e tradução de José Agostinho Baptista

a alquimia do verbo

A mim. A história de mais uma das minhas loucuras. De há muito que me gabo de possuir todas as paisagens possíveis e que acho ridículas as celebridades da pintura e da poesia moderna. Amei pinturas idiotas, vãos de portas, bugigangas, panos de saltimbancos, estandartes, estampas baratas, literatura fora de moda, latim eclesiástico, livros eróticos sem caligrafia, romances antigos, contos de fadas, contos para crianças, velhas óperas, refrões ingénuos, ritmos simplicíssimos. Sonhei com cruzadas, com viagens de descobrimento das quais não existiam relatos, repúblicas sem histórias, guerras de religião sufocadas, revoluções de costumes, movimentos de raças e de continentes: acreditei pois em todas as magias. Inventei a cor das vogais! - A negro, E branco, I vermelho, O azul, U verde - Determinei a forma e o movimento de cada consoante, e, com ritmos instintivos, procurei inventar um verbo poético acessível, custe o que custar, a todos os sentidos. Guardei a tradução. Era acima de tudo um

jardim antigo

um fato aconteceu no silêncio das flores do jardim abandonado entre os arbustos e folhas secas aumentaram as cores a vivacidade variada libertaram não sabem a nenhum germinam grandes entre pedaços de estatuária debaixo de pedras dentro dos tanques surdos somente perdidos anjos e o cão preto aquelas aves desgarradas aquelas murtas velhas não a vêem à noite um lagarto verde entre as estrelas azuis as flores dormem as flores há muito tempo lá estavam elas dormem ROGEL SAMUEL in ROGEL SAMUEL- novos poemas

devíamos

Devíamos nascer velhos, despertos, capazes de decidir nosso destino na Terra, saber que caminho tomar desde a primeira encruzilhada e que irresponsável fosse apenas o desejo de ir mais longe. Depois, pormo-nos a caminhar, cada vez mais jovens, alcançar maduros e fortes as portas da criação, atravessá-las e entrar apaixonados na adolescência, sendo crianças quando nos nascessem os filhos. Estes seriam assim sempre mais velhos que nós, ensinando-nos a falar e embalando-nos para dormir, desapareceríamos pouco a pouco, cada vez mais pequenos, como um grãozinho de uva, de ervilha ou de trigo... Ana Blandiana (Trad. A.M.)

eu não voo

Eu não voo ando quero que me oiçam mas também não sou das rãs que coaxam António Reis - Novos Poemas Quotidianos, pág. 11, Porto, [1959]

a maior solidão

A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre. Vinicius de Moraes

reflexão

Basta uma lágrima cheia De uma saudade de tudo Afonso Lopes Vieira

cada um que passa em nossa vida

Cada um que passa em nossa vida, Passa sozinho ... Porque cada pessoa é única pra nós, E nenhuma substitui a outra... Cada um que passa em nossa vida, Passa sozinho, Mas não vai só... Cada um que passa em nossa vida, Leva um pouco de nós mesmos, E nos deixa um pouco de si mesmo... Há os que levam muito, Mas não há os que não levam nada... Há os que deixam muito, Mas não há os que não deixam nada... Esta é a mais bela realidade da vida. A prova tremenda da importância de cada um, É que ninguém se aproxima do outro por acaso.... Antoine de Saint-Exupéry