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A mostrar mensagens de maio, 2009

Faz-me o favor

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada! Supor o que dirá Tua boca velada É ouvir-te já. É ouvir-te melhor Do que o dirias. O que és nao vem à flor Das caras e dos dias. Tu és melhor... muito melhor! ... Do que tu. Não digas nada. Sê Alma do corpo nu Que do espelho se vê. Mário Cesariny

No sorriso louco das mães

No sorriso louco das mães batem as leves gotas de chuva. Nas amadas caras loucas batem e batem os dedos amarelos das candeias. Que balouçam. Que são puras. Gotas e candeias puras. E as mães aproximam-se soprando os dedos frios. Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões e orgãos mergulhados, e as calmas mães intrínsecas sentam-se nas cabeças filiais. Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado, vendo tudo, e queimando as imagens, alimentando as imagens, enquanto o amor é cada vez mais forte. E bate-lhes nas caras, o amor leve. O amor feroz. E as mães são cada vez mais belas. Pensam os filhos que elas levitam. Flores violentas batem nas suas pálpebras. Elas respiram ao alto e em baixo. São silenciosas. E a sua cara está no meio das gotas particulares da chuva, em volta das candeias. No contínuo escorrer dos filhos. As mães são as mais altas coisas que os filhos criam, porque se colocam na combustão dos filhos. Porque os filhos são como invasores dentes-de-

Biografia

Não pegues na colher com a mão esquerda. Não ponhas os cotovelos na mesa. Dobra bem o guardanapo. Isso, para começar. Extraia a raíz quadrada de três mil trezentos e treze. Onde fica o Tanganica? Em que ano nasceu Cervantes? Dou-lhe um zero em comportamento se falar com o seu colega. Isso, para continuar. Parece-lhe decente que um engenheiro faça verso? A cultura é um enfeite e o negócio é o negócio. Se continuas com essa moça fechamos-te a porta. Isso, para viver. Não sejas tão louco. Sê educado. Sê correcto. Não bebas. Não fumes. Não tussas. Não respires. Aí, sim, não respirar! Dar o não a todos os nãos. E descansar: morrer. Gabriel Celaya, 1911-1991

o limoeiro- Mahmud Darwish

Tínhamos atrás das grades Um limoeiro As frutas amareladas brilhavam como lâmpadas As flores eram um leque cheiroso no nosso bairro Tínhamos, atrás das grades Um limeiro. Nosso Mas, para fazer enfeites com seus galhos E perfume das suas flores O cortaram Ficamos Sem o nosso limoeiro Nossos olhos Nunca mais viram a primavera. Mahmud Darwish Biografia de Mahmud Darwish Mahmud Darwish, palestino nascido no ano de 1942. Como muitos dos poetas da resistência palestina, teve desde o princípio uma clara militância política e foi preso em Israel. Abandonou esse país no começo dos anos 70, viveu em alguns países socialistas europeus, no Egipto, e depois vários anos em Beirute, onde se transformou em um dos membros mais destacados do Centro de Pesquisas Palestinas, dirigindo a revista Shuún Filistiyya. Sua obra lírica é muito ampla e dela destacamos (*): Hojas de oliva, 1964; Enamorado de Palestina, 1966, um de seus livros mais representativos e emocionantes; El fin de la noche... es día, 1

MALEVICH

Imagem
Malevich descobriu que o branco tinha cor as várias cores do branco desde o branco cabralino das brancas casas caiadas até o branco indolor dos muros dos hospitais o branco das sepulturas brancas, das paredes duras brancas, das casas e flores brancas, que orlam o lodo de esgotos de favelas e o mais branco das velas dos lenços e dos lençóis mesmo a branca imagem branca do esvoaçar de uma garça na revelação do meu sol sobre praias do Nordeste ou a doçura brancura do açúcar no café as cortesias alturas da lua tiradentina onde o branco dessas tintas se finge de mais alvura como neves Himalaias ou branco das gravuras da minha amiga artista Lyria Palombini ou o branco daquelas saias engomadas onde passam virgens ao sol sorridente em direção das suas salas decerto paredes brancas de suas almas de escola Rogel Samuel in " Novos Poemas" de Rogel Samuel

procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina. As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. Não faças poesia com o corpo, esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro são indiferentes. Não me reveles teus sentimentos, que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem. O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia. Não cantes tua cidade, deixa-a em paz. O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas. Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma. O canto não é a natureza nem os homens em sociedade. Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam. A poesia (não tires poesia das coisas) elide sujeito e objeto. Não dramatizes, não invoques, não indagues. Não percas tempo em mentir. Não te aborreças. Teu iate de marfim, teu s

anjo daltónico

Tempo da infância, cinza de borralho, tempo esfumado sobre vila e rio e tumba e cal e coisas que eu não valho, cobre isso tudo em que me denuncio. Há também essa face que sumiu e o espelho triste e o rei desse baralho. Ponho as cartas na mesa. Jogo frio. Veste esse rei um manto de espantalho. Era daltônico o anjo que o coseu, e se era anjo, senhores, não se sabe, que muita coisa a um anjo se assemelha. Esses trapos azuis, olhai, sou eu. Se vós não os vedes, culpa não me cabe de andar vestido em túnica vermelha. Jorge de Lima

O Desfraldar

Uma noite, o oceano entrou em minha casa Era um velho respirando como uma antiga locomotiva Convidei-o a sentar-se junto da janela para que se recompusesse e eu lesse em sua honra alguns poemas Mas ele continuou de pé, ofegante Ofereceu-me peixes conchas e partiu De manhã examinei a minha casa. não havia telhado nem porta nem janela nem parede tudo estava partido e molhado Até eu, oh meu Deus estava partido como um vaso Já não tinha lábios para falar braços para cingir o tronco de uma mulher Do meu corpo só restava uma flor saliente, o meu coração no meio dos escombros IUSUF ABDELAZIZ Poeta Palestiniano tradução de Albano Martins