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Manuel António Pina

Documentário Manuel António Pina from Terra Líquida Filmes on Vimeo .

Entrevista a João Cabral de Melo Neto

Abaixo, alguns trechos de uma entrevista com João Cabral de Melo Neto, concedida em 1986. O poeta dispensa maiores apresentações. - Por que o senhor tem tanta prevenção contra a subjetividade? Há um conceito mais ou menos generalizado de que a poesia é uma manifestação extremada da subjetividade... João Cabral : "Há uma diferença. Tenho aversão à subjetividade. Em primeiro lugar, tenho a impressão de que nenhum homem é tão interessante para se dar em espetáculo aos outros permanentemente. Em segundo lugar, tenho a impressão de que a poesia é uma linguagem para a sensibilidade, sobretudo. Uma palavra concreta, portanto, tem mais força poética do que a palavra abstrata. As palavras pedra ou faca ou maçã, palavras concretas, são bem mais fortes, poeticamente, do que tristeza, melancolia ou saudade. Mas é impossível não expressar a subjetividade. Então, a obrigação do poeta é expressar a subjetividade mas não diretamente. Ele não tem que dizer "eu estou triste". Ele

o jogo em que andamos

Se me dessem a escolher, escolheria esta saúde de saber que estamos doentes, esta felicidade de andarmos tão infelizes. Se me dessem a escolher, escolheria esta inocência de não ser um inocente, esta pureza em que passo por impuro. Se me dessem a escolher, escolheria este amor com que odeio, esta esperança que come pães desesperados. Aqui acontece, senhores, que jogo com a morte. juan gelman versão de luís filipe parrado

CHOREI COM OS CÃES

Conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada, estreita, iluminada pela lua cheia. De repente, um vulto na minha rota. Não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor. Saí do carro e ajoelhei-me junto do animal, um rafeiro alentejano, lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho: - É pá, mataste um cão sem dono. A lua cheia inundava o silêncio e eu levei-o ao colo para dentro do carro. Quando cheguei a casa, só pude fazer o que fiz. Chamei o Dique e encarreguei-o de convocar todos os cães da aldeia. O funeral foi marcado para a meia noite. Todos compareceram. Solidários, quatro amigos mais corajosos ofereceram-se para cavar a sepultura, num canto da horta, onde espontâneas medravam hortelãs. Todos reunidos no silêncio. Um uivo comovido despoletou um choro colectivo. Só o Dique não chorou. Trazia na boca uma papoila que largou em cima da sepultura. Eufrázio Filipe in  http://mararavel.blogspot.pt/

dez palmos acima da insignificância

vivo na cave do universo a contar os buracos da lua e as migalhas que caem da mesa nua os que por mim passam fingem que não me vêem vasculhando os restos e o rasto das nuvens vivo no estrume do subsolo meio caminho escavado entre as artérias da penúria e o sangue da usura os que a mim se chegam com falas mansas e dentes como lanças atiram-me que sou um fardo um espinho cravado nos luminosos astros ainda assim eu ardo dez palmos acima da insignificância v. Solteiro in" a arquitectura das palavras "

A Dimitris Christoulas, em Atenas, Abril de 2012

de súbito insustentável na praça Syntagma a relva surgiu vermelha junto do tronco impassível da árvore abandonada e toda a Grécia estremece com o espanto de um grito um grito só e aflito que cruzou a Terra toda como se fora pequena como se valesse a pena despertar ainda a aurora e jaz num corpo vazio que nos perturba a cidade foi cada passo contado que o levou ao destino foi a certeza da Vida que lhe aconselhou a morte e um tiro redentor que suas mãos libertaram agitaram o torpor das consciências paradas ali foi digno Dimitris contra os tiranos da vida a provar-nos às mãos-cheias que somos senhores de tudo e só nós somos os donos da hora da liberdade quando a centelha da honra se acende dentro de um peito vestido de humanidade legou uma nota breve bordada a sangue e a revolta por não mais o merecerem os tiranos que nomeia mas o olhar derradeiro abrange este mundo inteiro adivinha-se fraterno militante solidário numa paz feita na guerra que vestiu de dig

SEGREDO

Lá, na última das celas nódoa negra de açoites, não há dias, não há noites porque as as noites têm estrelas. Lá, só na sombra que dói. Sombra e brancura de um osso que o preso remói, remói no fundo do seu poço. Lá, quando o vierem buscar amanhã, depois ou logo, terá na alma mais um fogo, mais uma chama no olhar. Luís Veiga Leitão (1912-1987) In "Sonhar a Terra Livre e Insubmissa"

O MEU PAÍS FICA AQUI

 Reza a Deus  quando está só    E a Maria na multidão  O  meu país fica aqui  È velho como uma  espada  Pequeno como  altar  de troca       O  meu  país  serve a demência Com paciência  bovina Fica  aqui  ao pé  do mar Chora  com um trevo  na mão  A  busca  da  sorte   A  ciência  da escuridão   O  meu pais fica aqui  Onde  o vizinho  morto  Dá  dois rostos  de  televisão   José Ribeiro Marto in http://vaandando.blogspot.com/

Retornos

Voltou. Não disse nada. Parecia muito perturbado. Deitou sem tirar a roupa. Escondeu se debaixo do cobertor, as pernas dobradas. Tem quarenta anos, mas não neste momento. Está vivo - mas como no ventre materno atrás de sete peles, na escuridão que o defende. Amanhã dá palestra sobre homeostasis na cosmonáutica metagalática. Por enquanto se encolhe, adormece. Os filhos da época Somos os filhos da época, e a época é política. Todas as coisas - minhas, tuas, nossas, coisas de cada dia, de cada noite são coisas políticas. Queiras ou não queiras, teus genes têm um passado político, tua pele, um matiz político, teus olhos, um brilho político. O que dizes tem ressonância, o que calas tem peso de uma forma ou outra - político. Mesmo caminhando contra o vento dos passos políticos sobre solo político. Poemas apolíticos também são políticos, e lá em cima a lua já não dá luar. Ser ou não ser: eis a questão. Oh, querida, que questão mal parida. A questão política.

A propósito de "A Sombra da Romã" - um Inédito em "CASAL DAS LETRAS"

Inédito O TORMENTO DA NEVE Numa cadeira de rodas que não rodava Vi uma mulher coroada por uma montanha de neve. Na relva do tapete uma criança de joelhos Com um pássaro morto no centro da cabeça. É ela que escreve esta página suja de terra Com pancadas vivas de violência de sangue e uma gazela. Não sei se Deus estava presente ou chorava Mas as janelas sem estrelas e esta beleza sem nexo Gritaram ouro cortado entre os dedos e o sexo Cuspiram enxofre para dentro do poema. Maria Azenha in    http://www.casaldasletras.com/convidados.html e  http://www.casaldasletras.com/index.html