ENTRE CAIXÃO E BERÇO





Mãe, quando, um dia, eu voltar de vez,
fico aqui contigo para sempre.
Quando abraçar a velha soleira
e beijar as santas árvores de antigamente
e, cansado, lágrimas tremendo,
em teus olhos olhar.

Espera, então, por mim, que uma noite virei.

Será Outono, sei, luz púrpura ziguezagueia,
fulva luz nocturna.
A grande porta de ferro, troando, há-de fechar-se de tal modo,
Que a velha casa ,fria, tremerá
de medo.

Mas tu não receies, vem ao meu encontro, suavemente,
por mais medonho e branco que eu seja,
aperta-me nos teus braços, não busques o coração,
que inunda o sangue feio e preto,
olha só para os meus olhos dormentes e baços,
acaricia-me a cabeça, em silêncio.
Eu nem sequer te contarei como vivi
entre beijos ulcerados , na noite clara,
olhar-te-ei somente, como no passado,
então compreenderei que tu és o início
e tu és o fim.
Mudo,deitar-me-ei na grande cama branca,
eu, velho bebé que falar não sabe,
e do coração aos lábios sobe, vibrante,
a ida melodia da minha vida.
Tu escutas,como quem vela junto ao berço,
eu devaneio, sorrindo, triste,
e, hesitante entre o caixão e berço,
fias minha branca coroa de flores.
Passou quase a noite,em repetidos suspiros;
Curando, franze teu abençoado sorriso;
E,em lágrimas,com flores e uma canção muito antiga,
Cantas a morte do teu pobre filho.


Kosztolányi Dezső (1907)
Tradução de Ernesto Rodrigues






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