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A mostrar mensagens de março, 2009

soneto

Rudes e breves as palavras pesam mais do que as lajes ou a vida, tanto, que levantar a torre do meu canto é recriar o mundo pedra a pedra; mina obscura e insondável, quis acender-te o granito das estrelas e nestes versos repetir com elas o milagre das velhas pederneiras; mas as pedras do fogo transformei-as nas lousas cegas, áridas, da morte, o dicionário que me coube em sorte folheei-o ao rumor do sofrimento: ó palavras de ferro, ainda sonho dar-vos a leve têmpera do vento. Carlos de Oliveira in A Leve Têmpera do Vento, Quasi

Mania da Solidão

Como um jantar frugal junto à clara janela, Na sala já está escuro mas ainda se vê o céu. Se saísse, as ruas tranquilas deixar-me-iam ao fim de pouco tempo em pleno campo. Como e observo o céu — quem sabe quantas mulheres estão a comer a esta hora — o meu corpo está tranquilo; o trabalho atordoa o meu corpo e também as mulheres. Lá fora, depois do jantar, as estrelas virão tocar a terra na ancha planura. As estrelas são vivas, mas não valem estas cerejas que como sozinho. Vejo o céu, mas sei que entre os tectos de ferrugem brilha já alguma luz e que, por baixo, há ruídos. Um grande golo e o meu corpo saboreia a vida das árvores e dos rios e sente-se desprendido de tudo. Basta um pouco de silêncio e as coisas imobilizam-se no seu verdadeiro sítio, como o meu corpo imóvel. Cada coisa está isolada ante os meus sentidos, que a aceita impassível: um cicio de silêncio. Cada coisa na escuridão posso sabê-la, como sei que o meu sangue circula nas veias. A planura é água que escorre entre a erv

Você, antes e depois

Antes, era a exuberancia que te atraia Você idolatrava a exuberancia - rolava na exuberancia. Se alimentava da exuberancia - e, do alimento em você, a exuberancia, você não precisava de mais nada... A exuberancia não estava em seu coração, em seu pensamento... jazia em seu sexo, e eu me sentia feliz, enjaulada em seu sexo. Num momento em que por instantes, fugi, você dividiu nossas vidas. Hoje, estamos um diante do outro. Mas, nossas sombras, nossas almas, se sorvem mais que a exuberancia, porque agora, nem o Tempo, nem a Historia, nem existe Vida, que nos separe. clarisse de oliveira

não nos peças a palavra

[NÃO NOS PEÇAS A PALAVRA] Eugenio Montale Não nos peças a palavra que acerte cada lado de nosso ânimo informe, e com letras de fogo o aclare e resplandeça como açaflor perdido em meio de poeirento prado. Ah o homem que lá se vai seguro, dos outros e de si próprio amigo, e sua sombra descura que a canícula estampa num escalavrado muro! Não nos peças a fórmula que possa abrir mundos, e sim alguma sílaba torcida e seca como um ramo. Hoje apenas podemos dizer-te o que não somos, o que não queremos. (Tradução: Renato Xavier) Eugenio Montale - Non Chiederci la Parola: videoclipe no YouTube com a voz do ator Vittorio Gassman lendo o poema. Clique na seta para assistir ao clipe. [NON CHIEDERCI LA PAROLA] Non chiederci la parola che squadri da ogni lato l'animo nostro informe, e a lettere di fuoco lo dichiari e risplenda come un croco perduto in mezzo a un polveroso prato. Ah l'uomo che se ne va sicuro, agli altri ed a se stesso amico, e l'ombra sua non cura che la canicola stamp

quem pensa na casa

QUEM PENSA NA CASA Morar numa casa. Numa casa com asas. Voar lá dentro, para fora. A casa em que você mora, em que você ri e chora, em que você ama e dorme, come e brinca, lê e escreve, pensa e morre. A casa para a qual você corre no fim do dia. Na casa, teto e paredes, escada e jardim, banheiro e cozinha, quintal e copa, sala e quartos, janelas e portas. Na casa, você conversa com aqueles que ama e admira. Você faz versos. Você se veste e se despe. Você recepciona e se despede. Na casa, você anda descalço, toma remédio, toma café, troca lâmpada, lava louça, tira soneca, vê TV, xinga político, beija filhos, faz de tudo um pouco. Não há casas perfeitas. Em toda casa falta um copo, falta uma linha, um motivo a mais de segurança. Em toda casa há um fantasma, pequeno que seja, num canto, gemendo, assombrando nossa imaginação. Quem pensa na casa já está morando ali. Quem pensa na casa leva o pensamento longe demais. A casa voadora atravessa o tempo, bebe do passado, afugenta o presente, pis

vazio

A poesia fugiu do mundo. O amor fugiu do mundo — Restam somente as casas, Os bondes, os automóveis, as pessoas, Os fios telegráficos estendidos, No céu os anúncios luminosos. A poesia fugiu do mundo. O amor fugiu do mundo — Restam somente os homens, Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis. Resta a vida que é preciso viver. Resta a volúpia que é preciso matar. Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar. Augusto Frederico Schmidt alguma poesia

sacode as nuvens

Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos, Sacode as aves que te levam o olhar. Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras. Porque eu cheguei e é tempo de me veres, Mesmo que os meus gestos te trespassem De solidão e tu caias em poeira, Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras E os teus olhos nunca mais possam olhar. Sophia de Mello Breyner Andressen

GERÊS- Jorge de Sousa Braga

Quando me levantei já as minhas sandálias andavam a passear lá fora na relva Esta noite até os atacadores dos sapatos floriram Jorge de Sousa Braga ( gentilmente enviado por Amélia Pais)

Desfolh(e)ar o mar...

pétala a pétala o mar desfolha o véu de espuma à areia oferece um jardim de búzios V Solteiro in A Arquitectura das Palavras

queria

Quería remontar o misterio do mar, Como um barco que o cruza, Recolhendo peixes do infinito, Como pérolas incrustadas. Brisas nas ondas brancas, Que rumoreiam um segredo azul. Mar em remoinhos, que abre a visão das marés. Luís Enrique in MI PLANETA X

poema de Hanshan

Se você quiser um lugar para descansar o corpo, A Montanha Fria é boa para uma longa preservação. Uma brisa subtil sopra no pinheiral denso; Ouvido de perto, o som é ainda mais bonito, Sob as árvores está um homem com o cabelo cinza Furiosamente lendo livros Taoístas. Por dez anos não pude voltar – Agora esqueci por qual estrada vim. Hanshan

Sacerdotisa

Sacerdotisa, tu és o Santo Graal com a Essência de Cristo. Portadora de um Deus sobre a Terra, teus olhos não têm pupila, são duas brasas numa tez de porcelana. Seus longos dedos, brancos como as penas das asas da cegonha, têm sempre as pontas unidas diante de teu peito onde encarcerado, palpita teu coração. Não podes te ajoelhar diante do Cristo que amas. porque, portadora da Sua Essência, tu és o imenso estojo em que o embalas, de um extremo a outro do Universo, incenssando a Criação com o perfume de seu Espirito e fecundando as Almas, com o Pólen de seu Renascimento Divino. Clarisse in- Clarisse de Oliveira

poema XLII

XLII pesam as pedras em meus olhos e sei que as fogueiras da noite fazem crescer o pólen do coração Maria Costa