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A mostrar mensagens de fevereiro, 2009

mesa de solidão

Mortas na boca as palavras demoram A refluir aos lábios Elas esperam que o Amor as ajude Que o Amor lhes sirva De ponte Que o Amor lhes dê a conhecer A boca que as espera A ofegante boca que as espera . RAUL DE CARVALHO RAUL DE CARVALHO Poeta português, natural do Alvito. Foi colaborador das revistas Távola Redonda e Árvore e Cadernos de Poesia, que, na década de 50, conglomeravam de forma irregular, mas activa, poetas de várias sensibilidades. A obra deste poeta, onde se encontram evocações da sua infância alentejana, revela a sua ligação ao neo-realismo. A fidelidade ao humano e o estilo enumerativo e anafórico são marcas da sua poesia. Os seus títulos englobam As Sombras e as Vozes (1949), Poesia, (1955), Mesa de Solidão (1955), Parágrafos (1956), Versos - Poesia II (1958), A Aliança (1958), Talvez Infância (1968), Realidade Branca (1968), Tautologias (1968), Poemas Inactuais (1971), Duplo Olhar (1978), Um e o Mesmo Livro (

coração sem imagens

Deito fora as imagens. Sem ti, para que me servem as imagens? Preciso habituar-me a substituir-te pelo vento, que está em qualquer parte e cuja direcção é igualmente passageira e verídica. Preciso habituar-me ao eco dos teus passos numa casa deserta, ao trémulo vigor de todos os teus gestos invisíveis, à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve a não ser eu. Serei feliz sem as imagens. As imagens não dão felicidade a ninguém. Era mais difícil perder-te e, no entanto, perdi-te. Era mais difícil inventar-te, e eu te inventei. Posso passar sem as imagens assim como posso passar sem ti. E hei-de ser feliz ainda que isso não seja ser feliz. Raul de Carvalho

ainda assim

toda saudade é bruma e ainda assim dói saudade é como viajar num barco que se perdeu Adelaide Amorim in "INSCRIÇÕES"

poema para a Maat

Mulher bela de coração aberto, Tua mirada é clara e perfeita. Na tua poesia quase onírica, quase etérea, Convergem todas as coisas, Rosas vermelhas como feridas. Desertos e campos em flor. Música das mais altas esferas. Mulher de uma só peça. Criatura anjo, sempre eterna. Mulher de uma cristalina sapiência. Mulher, em toda sua substância e beleza. Luis Enrique in MI PLANETA X

da Poesia

"A fala aponta sempre uma coisa, como um dedo ou aceno. Só que, se a coisa é muito importante e nova de dizer, a fala nunca chega exactamente àquilo que visava de início. O que chega pode ser até muito importante, e novo também. Mas fica ao lado da primeira coisa. E todas essas coisas mal ou bem apontadas ou agarradas – existem. É como o amor que nunca erra: só fica, quase sempre, mesmo ao lado, porque nunca há perfeita correspondência dual. Por isso é que é precisa a poesia, pois a correspondência social tem mais probabilidades de, ocasionalmemte, ficar mais perto do indigitado, ou de encontrar sucedâneos melhores: é um amor transitivo, continua sempre avante, de pessoa em pessoa." Óscar Lopes do blog TERREAR

BOUDU SALVO DAS ÁGUAS

O meu caminho é o caminho do vento Que nunca sabe de si próprio. Construir para quê Se a casa será sempre uma prisão Onde habitam três estrelas tristes E o ruído da lua E a vida e o amor Têm o tempo de um Relâmpago? Henrique Dória

contemplação da nuvem

A vida é a contemplação daquela nuvem. E o mundo uma forma de passar, que inventamos para não ver que o mundo não é o mundo, mas uma nuvem passando. E uma nuvem passando ensina-nos mais coisas que cem pássaros mil livros um milhão de homens. A vida é a contemplação daquela nuvem. E o mundo uma forma de passar, que inventamos para não ver que o mundo não é o mundo, mas uma nuvem. Passando. António Brasileiro “Poeta e pintor: é assim que Antônio Brasileiro gosta de se definir. Mas não são essas poucas palavras que melhor o definem. Nome expressivo da poesia brasileira atual, ensaísta e ficcionista, Brasileiro é também figura de destaque como agitador cultural. Mente multifacetada, o seu raio de acção inclui, além da literatura e das artes plásticas, um sólido estudo de filosofia. Com vinte e duas obras publicadas (poesia, ensaio, conto, romance, teatro), divide o resto do tempo entre o amor pelos livros e a música, a prática do ténis e o cultivo do ócio.”

não leias odes, meu filho

não leias odes, meu filho, lê antes horários: são mais exactos. desenrola as cartas marítimas antes que seja tarde, toma cuidado, não cantes. o dia vem vindo em que hão-de outra vez pregar as listas nas portas e marcar a fogo no peito os que digam não. aprende a passar despercebido, aprende mais do que eu: a mudar de bairro, de bilhete de identidade, de cara. treina-te nas pequenas traições, na mesquinha fuga quotidiana, úteis as encíclicas mas para acender o lume, e os manifestos são bons para embrulhar a manteiga e o sal dos indefesos, a cólera e a paciência são precisas para assoprar-se nos pulmões do poder o pó fino e mortal, moído por aqueles que aprenderam muito e são meticulosos por ti. «Para um Livro de Leituras Escolares» Hans Magnus Ensenberger Poesia do século XX (de thomas hardy a c.v. cattaneo) Editorial Inova - 1978 Tradução: Jorge de Sena. Magnus Enzensberger (11 de novembro, 1929 em Kaufbeuren) é poeta, ensaista, tradutor e editor alemão. É também escritor sob o pseudôn

FINALMENTE

Demorou... mas agora sei que sou vidoeiro e elefante, couve-flor e cotovia, carvão, terra e borboleta, eucalipto e pantera, cebolinho e peneireiro, granito e libelinha, acácia e cavalgadura, pojo, cardo e andorinha, pedra mármore e formiga, palmeira e rinoceronte, mocho, papoila, urubu, ... até sou o horizonte! Demorou... mas agora sei que sou... que sou vento, sol e chuva e excremento, ar, montanha e mar. Sou tudo o que já acabou, tudo o que há-de começar. Agora sei o que sou, finalmente. Pobre de quem é só gente! Sérgio O.Sá In: "Diário de um Marginal" Dezembro de 2005

os mortos

os mortos vêem o mundo pelos olhos dos vivos eventualmente ouvem, com nossos ouvidos, certas sinfonias algum bater de portas, ventanias Ausentes de corpo e alma misturam o seu ao nosso riso se de fato quando vivos acharam a mesma graça Ferreira Gullar ouvir Aqui

Auto-retrato falado

Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas. Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci. Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão, aves, pessoas humildes, árvores e rios. Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar entre pedras e lagartos. Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou abençoado a garças. Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que fui salvo. Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado. Os bois me recriam. Agora eu sou tão ocaso! Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço coisas inúteis. No meu morrer tem uma dor de árvore. Manoel de Barros

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Que sei eu do vento que, impetuoso e assertivo, nas suas franjas leva os frutos apodrecidos, os galhos dos arbustos, os nodosos ramos há muito espalhados pelo chão? Que sei eu desse furor com que adverte os barcos e confunde os portos; com que dispersa as nuvens e a tempestade agiganta no justo sítio onde o lodo se concentra e as algas se entrecruzam, para a sôfrega destruição das ondas? Que sei eu do vento tão falho que sou de alento, tão inseguro... privado de instrumentos que das coisas me limpem seu traiçoeiro parecer? Que sei eu dele, quando à noite, cansado de ser vento, completamente esgotado pelos trabalhos a que a distracção dos deuses o votou, se recolhe às furnas desta margem, com seu corpo de vento, suas mãos de argila, seu olhar a pedir fim? Dantes, quando eu era menino, escondido na gabardina de meu pai, julguei-o pela frieza que me deixava no rosto, pelos meus pés enregelados se acaso atravessava as quintas, o regueirão, o lamaçal que a inépcia da vizinhança insistia em

aniversário da morte de Dante

Aniversário da morte de Dante – no meu cabelo estrelas, rosas e centopéias Nana Naruto Haicai traduzido por Casimiro de Brito e Ban'ya Natsuishi, publicado na Revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, ano 10, número 18. ( enviado por uma Amiga )