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A mostrar mensagens de abril, 2009

FRANKLIN JONES

Se pudesse ter vivido mais um ano, teria acabado a minha máquina voadora, tomando-me com isso um homem rico e famoso. Faz sentido, portanto, que ao artesão que adorna a minha lápide lhe tenha saído algo mais parecido com um frango. O que é a vida, no fundo, senão sair do choco para correr no quinteiro até ao dia da degola? A diferença é que o homem tem um cérebro de anjo e desde o princípio vê o machado. Edgar Lee Masters - Spoon River

Já não somos mais poetas

Já não somos mais poetas Somos corvos Já não somos mais poetas Somos corvos Já não somos mais poetas Somos corvos E nós vemos as linhas de cima telefónicas Já não somos mais poetas Somos corvos E nós vemos-te por cima dos fios de electricidade Já não somos mais poetas Somos corvos E nós vemos-te empuleirados nas antenas de televisão Já não somos mais poetas Somos corvos E vemos-te lá dos campos onde nós respigamos Assim que tu passas com o teu carro e vais pagar-te o direito de circular num carro Já não somos mais poetas Somos corvos E vemos-te entrar nas escolas nos Domingos de Maio E pisar onze papeis Para designar o chefe de uma multidão Somos corvos Não temos chefe As estações conhecem-nos Elas nunca te viram Já não somos mais poetas Somos corvos E ao que parece vivemos muito tempo, hein! Tu nunca o vais saber Preferes meter entre ti e nós um pára-choque de aplausos, de razões de ser conselheiros do Findo de Desemprego, fios, fios, fios, Preferes meter entre ti e nós livros dias e

vale a pena ler

Um poeta provinciano Os Prémios recebidos revolucionaram a vida pacata deste autor que se define como um "poeta provinciano ". Participante na Guerra Civil Espanhola , António Gamoneda garante que agora procura buscar momentos de tranquilidade no meio de todas as suas viagens e actos honoríficos. "Agora, acontece que me encapsulo para trabalhar até nos comboios", comenta. Uma destas viagens acaba por o trazer a São Roque (Andaluzia), antes de seguir para a Grécia, Itália e para alguns países Árabes. Gamoneda pesa bem as suas palavras antes de falar, controla o seu vocabulário com um ritmo lento. Todavia, a sua lucidez contraria o rosto enrrugado. Rugas provocadas por décadas de literatura e das lembranças de infância, cujo registo – sob forma de memórias – verão a luz do dia nas semanas que se seguem. « Elas estão teoricamente acabadas, mas eu conheço-me bem e sei que a qualquer momento posso não as corrigir, mas voltar a reescreve-las novamente. O texto espera pela

as quantidades de tempo

As quantidades de tempo situam as quantidades de sons. Oiço-os para lá da morte. A música eleva-se de um poço de silêncio; é lavoura de ar em tímpanos de fogo e isso entrou em mim. E agora a música é o meu pensamento António Gamoneda

Caí sobre uma mãos

Caí sobre uma mãos quando não sabia ainda que vivia nas mãos Elas passaram sobre o meu rosto e o meu coração. Senti que a noite era doce como um leite silencioso. E grande. Muito mais que a minha vida. Mãe : Eras as tuas mãos e a noite juntas. Aqui está o porquê da solidão gostar de mim. Eu não me lembro, mas está comigo. Existe, no esquecimento Encontram-se as mãos e a noite. Ás vezes, Quando a minha cabeça se debruça sobre a terra Não posso mais e está vazio o mundo. Algumas vezes, sobe o esquecimento até ao coração. Eu ajoelho-me Para poder respirar sobre as tuas mãos. Eu desço e tu escondes o meu rosto; e eu sou tão pequenino; e as tuas mãos tão grandes; e a noite vem mais uma vez, vem mais outra. Eu descanso de ser um homem, eu descanso de ser um homem. António Gamoneda

lamento de menino triste-Ronaldo Costa Fernandes

O azeite ainda se agarra às paredes do frasco depois de esvaziado. A água, leve, esvazia-se rápido, às vezes até evapora, e não deixa resíduo, nada se gruda à parede do frasco. Ó mãe, faz permanecer em mim a água da alegria e me livra do azeite do desengano. Ronaldo Costa Fernandes (poema enviado gentilmente por Walter Moura)

antes do nome

Não me importa a palavra, esta corriqueira. Quero o esplêndido de onde emerge a sintaxe,os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",o "o" o "porém", e o "que", esta incompreensível muleta que me apóia. Quem entender a língua entende Deus cujo filho é o verbo. Morre quem entender. A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser calada. Em momentos de graça,infrequentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão. Puro susto e terror. Adélia Prado

nunca soube lançar o pião

Nunca soube lançar o pião como os rapazes no terreiro, entre os contentores:aprendizes de ladrões, de proxenetas, arrumadores. nunca soube lançar o pião. Nem puxar-lhe o cordel entre os dedos ou içá-lo, rodopiante, na palma a mão,acima do solo conspurcado e mudo. Lancei a minha vida, os meus anseios. e foi tudo. in " A Irresistível Voz de Ionatos" de Victor Oliveira Mateus

Grandes são os desertos

Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo. Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas, Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu. Grandes são os desertos, minha alma! Grandes são os desertos. Não tirei bilhete para a vida, Errei a porta do sentimento, Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse. Hoje não me resta, em vésperas de viagem, Com a mala aberta esperando a arrumação adiada, Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem, Hoje não me resta (à parte o incómodo de estar assim sentado) Senão saber isto: Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Grande é a vida, e não vale a pena haver vida, Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem) Acendo o cigarro para adiar a viagem, Para adiar todas as viagens. Para adiar o universo in

sabedoria

"O mérito verdadeiro é como um rio: quanto mais profundo, menos ruidoso é". Lord Halifax

Pedro Foyos

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Sobre o autor Pedro Foyos Nasceu em Lisboa, Portugal, em 1945. Perfazendo uma carreira profissional de mais de quarenta anos como jornalista e director de publicações, se dedica também, atualmente, à literatura de ficção e de divulgação de temas das Ciências da Natureza. De entre os órgãos de informação onde trabalhou se destacam o diário República (único jornal de oposição à ditadura de Salazar) e o Diário de Notícias. Neste jornal de referência na imprensa portuguesa integrou a direção de redação, sendo responsável, nomeadamente, pela revista dominical e edições especiais. Fundou a revista Nova Imagem, da qual foi director durante seis anos, e mais tarde a coleção Grande Reportagem. Foi presidente durante uma década da Associação Portuguesa de Arte Fotográfica, tendo nesse período fundado e dirigido o Anuário Português de Fotografia. É autor dos livros O Jornal do Dia e A Vida das Imagens. Organizou, a convite da Imprensa Nacional, uma antologia histórica, em dois volumes, consagrada

CONFISSÃO A MAAT

"Honra a Ti Grande Deus, Mestre de toda Verdade! A Ti venho, meu Deus, e me ponho na Tua presença a fim de tomar consciência dos Teus decretos, Eu Te conheço e comungo Contigo e com as Tuas quarenta e duas leis que existem Contigo nesta Câmara de Maat... É em Verdade que venho comungar Contigo e Maat está presente no meu pensamento e na minha alma. Por Ti destruí a maldade. Não fiz mal à humanidade. Não oprimi os membros de minha família. Não forjei o mal em lugar da Justiça e da Verdade. Não me relacionei com homens indignos. Não pedi para ser considerado o primeiro. Não obriguei ninguém a um trabalho excessivo para mim. Não coloquei o meu nome na frente, para ser elevado às honrarias. Não privei os oprimidos dos seus bens. Não fiz nenhum ser humano passar fome. Não fiz nenhum ser humano chorar. Não infligi nenhum sofrimento a qualquer ser humano ou a animal. Não privei os templos das suas oblações. Não falseei as medidas. Não me apossei das terras de outrem. Não fraudei nenhuma

VII - A vida gira

a vida gira como tudo gira e tem cores como as do céu árvores em chamas verdes um polén que faz dormir o vento o amanhecer do lótus que perfuma a morte in " escrito na pedra"