Mensagens

A mostrar mensagens de julho, 2008

Mãe Ilha

Nessa manhã as garças não voaram E dos confins da luz um deus chamou. Docemente teus cílios se fecharam Sobre o olhar onde tudo começou. A terra uivou. Todas as cores mudaram O mar emudeceu. O ar parou. Escuros véus de pranto o sol taparam De azáleas lívidas a ilha se cercou. A que pélago o esquife te levava? Não ao termo. A não chorar os mortos. Teu sumo espiritual florido ensina. E se o mundo em ti principiava, No teu mistério entre astros absortos, Suavemente, ó mãe, tudo termina. Natália Correia

aprendizagens

Comienzo a perder instantes. A perderme. Una décima de segundo. Un milésimo de silencio. Nada me despoja. Todo me desnuda. Es lo infinito que regresa. Aprendo a habitar el esplendor de la sombra. Ana Emilia Lahitte

Oscar Wilde

Qualquer um pode simpatizar com o sofrimento de um amigo, mas o que exige mais classe é a natureza de simpatizar com o sucesso de seu amigo. Oscar Wilde

o mar

"O mar, às vezes parece um céu diáfano, outras pó verde. Às vezes é dum azul transparente, outras cobalto. Ou não tem consistência e é céu, ou é confusão e cólera. De manhã desvanece-se, de tarde sonha." Raul Brandão

poema ao Homem

Frequentemente esqueço as palavras. Esqueço-Me. Esqueço-Te. E sem linguagem desapareço. Torno-me farol de imagens, imperativo que impedido de comunicar, desvenda outro reino. Gêmea de árvores e pedras mas sempre estranha que se entranha na garupa do vento. Regresso tarde ou cedo... a tempo do tempo das estações contemplar. Relembro as palavras. Relembro-Me Relembro-Te Presumo a urgência de Amar... poema de Aya

poema

Tú eliges el lugar de la herida en donde hablamos nuestro silencio Tú haces de mi vida esta ceremonia demasiado pura. Alejandra Pizarnik

o amor

"O amor é uma troca entre duas correntes de energias, dois pólos opostos mas complementares. Não é o corpo físico que inspira o amor, muitas vezes ele só intervém no fim do processo como um culminar, só vem na sequência. O que inspira o amor é invisível . Em geral, dá-se mais importância ao corpo do que aquela que ele possui realmente. Colocados lado a lado, os cadáveres de dois seres que se amaram abraçam-se? Não, mas as suas almas, que são vivas, continuam a relacionar-se. É a vida nas criaturas que provoca atracção ou repulsa. Portanto, antes de os corpos serem atraídos um para o outro, houve correntes fluídicas que os levaram a aproximar-se; os corpos apenas seguiram o movimento, bem no fim deste processo." Omraam Mikhaël Aïvanhov

Siento el crepúsculo en mis manos

Siento el crepúsculo en mis manos. Llega a través del laurel enfermo. Yo no quiero pensar ni ser amado ni ser feliz ni recordar. Sólo quiero sentir esta luz en mis manos y desconocer todos los rostros y que las canciones dejen de pesar en mi corazón y que los pájaros pasen ante mis ojos y yo no advierta que se han ido. Hay grietas y sombras en paredes blancas y pronto habrá más grietas y más sombras y finalmente no habrá paredes blancas. Es la vejez. Fluye en mis venas como agua atravesada por gemidos. Van a cesar todas las preguntas. Un sol tardío pesa en mis manos inmóviles y a mi quietud vienen a la vez suavemente, como una sola sustancia, el pensamiento y su desaparición. Es la agonía y la serenidad. Quizá soy transparente y ya estoy solo sin saberlo. En cualquier caso, ya la única sabiduría es el olvido. © Antonio Gamoneda En Arden las pérdidas Barcelona, Tusquets Editores, 2004

***

A minha boca é uma chaga O meu trabalho é silêncio Eu e a noite dormimos juntos e nunca dormimos. Carlos Edmundo de Ory POEMAS MUDADOS PARA PORTUGUÊS POR HERBERTO HELDER Carlos Edmundo de Ory , poeta e ficcionista espanhol, nasceu em Cádiz em 1923. Filho do poeta modernista Eduardo de Ory , é um dos autores vanguardistas mais singulares e revolucionários do panorama espanhol actual. Com Silvano Sernesi fundou em 1945 o «Postismo», movimento de vanguarda, e desde então participa activamente em actividades surrealistas europeias. É também ensaísta, epigramista e tradutor. A sua obra, durante muito tempo ignorada, foi valorizada a partir de 1973, sendo traduzida em diferentes línguas. Desde 1953 que viaja sucesivamente pela França, Marrocos, Perú e Bruxelas. Entre 1955 e 1967 fixou residência em Paris, radicando-se, depois, definitivamente em Amiens como bibliotecário de «la Maison de la Culture». Da sua obra destacam-se títulos como «Técnica y llanto», «La flauta prohibida», «Los sonetos

reflexões

"Temos que descansar temporariamente de nós, olhando-nos de longe e de cima e, de uma distância artística, rindo sobre nós ou chorando sobre nós: temos de descobrir o herói, assim como o parvo, que reside em nossa paixão pelo conhecimento, temos de alegrar-nos vez por outra com nossa tolice, para podermos continuar alegres com nossa sabedoria." Nietzsche

Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços E chama-me teu filho. Eu sou um rei que voluntariamente abandonei O meu trono de sonhos e cansaços. Minha espada, pesada a braços lassos, Em mão viris e calmas entreguei; E meu cetro e coroa — eu os deixei Na antecâmara, feitos em pedaços Minha cota de malha, tão inútil, Minhas esporas de um tinir tão fútil, Deixei-as pela fria escadaria. Despi a realeza, corpo e alma, E regressei à noite antiga e calma Como a paisagem ao morrer do dia. Fernando Pessoa

quero escrever o borrão vermelho de sangue

Quero escrever o borrão vermelho de sangue com as gotas e coágulos pingando de dentro para dentro. Quero escrever amarelo-ouro com raios de translucidez. Que não me entendam pouco-se-me-dá. Nada tenho a perder. Jogo tudo na violência que sempre me povoou, o grito áspero e agudo e prolongado, o grito que eu, por falso respeito humano, não dei. Mas aqui vai o meu berro me rasgando as profundas entranhas de onde brota o estertor ambicionado. Quero abarcar o mundo com o terremoto causado pelo grito. O clímax de minha vida será a morte. Quero escrever noções sem o uso abusivo da palavra. Só me resta ficar nua: nada tenho mais a perder. Clarice Lispector

rente ao chão

O pátio é agora um quadrado de luz. Sem gatos nem sombras; apenas o silêncio das paredes, intacto. Rente ao chão, um exercício de entropia: tabuletas gastas, loiça em cacos, o balde cheio de pregos tortos, aguarelas refeitas pela chuva, baús que guardam segredos, estantes rendidas à poeira, um par de asas falsas, a túnica com rasgões e duas malas de couro manchadas pelo tempo, vazias. Ao canto, o relógio partido e os ponteiros soltos. Um deles aponta para as nuvens, lá muito ao alto. O outro aponta para nós, para aqui, para estes inumeráveis labirintos. José Mário Silva, in Nuvens & Labirintos, 2001

excerto II

Se vim para acompanhar a voz, Irei procurá-la em qualquer lugar que fale, montanha, campo raso, praça da cidade, prega do céu __ conhecer o Drama-poesia desta arte. Sentir como bate, num latido na minha mão fechada. Como, ao entardecer, solta, tantas vezes, um grito súbito: _ Poema, que me vens acompanhar, por que me abandonaste? _ Como me pede que não oiça, nem veja, mas deixe absorver , me deixe evoluir para pobre e me torne , a seu lado, uma espécie de poema sem-eu. Em silêncio e cega, deixo que me dispa da claridade penetrante, da claridade nova, da claridade sem falha, da claridade densa da claridade pensada, me torne um fragmento completo e sem resto para que passem a clorofila e a sombra da árvore. Assim, realizando eu própria o texto e acompanhando-o, constatei que a noite em breve se iria pôr, deixando-me sem dia claro às portas da cidade. Não havia percurso, apenas um decurso e vários sonhos deitados em torno de uma mesa, sem que se visse quem dormia e estava a ser sonhado. E

na página

mas o amor continua pela hora da morte... ouve, eu tenho uma lua nova, dobro-a com os dedos, na página. o mar apagou-se não sei porquê! e os sinos ousam no deserto, nada sabendo do coração ou do afago da pedra onde repousam. mariagomes 23.out.2005

poema

A poesia está guardada nas palavras-é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por esta pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado e chorei. Sou fraco para elogios. Manoel de Barros poema enviado por José di Cavalcanti Jr

na vida

Na vida, é preciso tanto seriedade quanto delírio. Se tiveres mais de um pão, vende um e compra um lírio. Li Tai Po

O Jardineiro Míope

O jardineiro míope levanta-se às cinco horas e vai dar alpista às flores a seguir rega os pássaros e enquanto vai regando vai dizendo: "Que bem cantam as minhas papoulas!" Um dia a Liga das Senhoras mais Bondosas do Mundo teve um gesto malvado e ofereceu óculos ao jardineiro míope que ajustou implacavelmente as imagens perdeu toda a poesia e viu tudo de maneira tão clara que teve a ideia escura de pedir um emprego de funcionário público enquanto a presidente da Liga da Liga mais Bondosa mais bondosa do mundo subia para o céu e se sentava à mão direita de Deus Padre que lhe enfiou uma bofetada divina que todos nós ouvimos em forma de trovão. Sidónio Muralha (nasceu em Portugal, morreu no Brasil, em Curitiba)

campo de flores

Deus me deu um amor no tempo de madureza, quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme. Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro, e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor. Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos e outros acrescento aos que amor já criou. Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou. Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia e cansado de mim julgava que era o mundo um vácuo atormentado, um sistema de erros. Amanhecem de novo as antigas manhãs que não vivi jamais, pois jamais me sorriram. Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra imensa e contraída como letra no muro e só hoje presente. Deus me deu um amor porque o mereci. De tantos que já tive ou tiveram em mim, o sumo se espremeu para fazer vinho ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo. E o tempo que levou uma rosa indecisa a tirar sua cor dessas chamas extintas era o tempo mais justo. Era tempo de terra. Onde não há jardim, as f

o sal da língua

Escuta, escuta: tenho ainda uma coisa a dizer. Não é importante, eu sei, não vai salvar o mundo, não mudará a vida de ninguém - mas quem é hoje capaz de salvar o mundo ou apenas mudar o sentido da vida de alguém? Escuta-me, não te demoro. É coisa pouca, como a chuvinha que vem vindo devagar. São três, quatro palavras, pouco mais. Palavras que te quero confiar, para que não se extinga o seu lume, o seu lume breve. Palavras que muito amei, que talvez ame ainda. Elas são a casa, o sal da língua. Eugénio de Andrade

visitações , ou o poema que se diz manso

De mansinho ela entrou, a minha filha. A madrugada entrava como ela, mas não tão de mansinho. Os pés descalços, de ruído menor que o do meu lápis e um riso bem maior que o dos meus versos. Sentou-se no meu colo, de mansinho. O poema invadia como ela, mas não tão mansamente, não com esta exigência tão mansinha. Como um ladrão furtivo, a minha filha roubou-me a inspiração, versos quase chegados, quase meus. E mansamente aqui adormeceu, feliz pelo seu crime. Ana Luisa Amaral

a mim filhos da viúva

viu-se de relâmpago e era negra e como se uma chave fosse uma chave foi abrindo a porta do grande palácio das buganvílias e dos loendros lá dentro sobre um pavimento de mosaicos brancos e negros duas colunas suportavam sem esforço um globo celeste e outro terrestre duas esferas romãs abertas e expostas à sua multitude era uma espada de ferro quente ondulada : flamejante a invocadora de todos os sortilégios entre colunas – onde reinava o silêncio ,soprou o verbo: «eis a minha espada, aqui não haverá espaço para a defesa porque não haverá espaço para o ataque» nisto uma bicéfala águia branca pousou sobre a coroa do trono e no tecto do palácio se escreveu num ouro muito azul: «ordo ab chao» Frederico Mira George, tempo do verão da era vulgar de 2006

o fim do mundo-João Cabral de Melo Neto

No fim do mundo melancólico os homens lêem jornais. Homens indiferentes a comer laranjas que ardem como o sol. Me deram uma maçã para lembrar a morte. Sei que as cidades telegrafam pedindo querosene. O véu que olhei voar caiu no deserto. O poema final ninguém escreverá desse mundo particular de doze horas. Em vez de juízo final a mim me preocupa o sonho final. in "O Engenheiro" de João Cabral de Melo Neto ( enviado por Adelaide Amorim)

***

'A maior parte das pessoas realmente não nos interessa, pensei eu o tempo todo, quase todas as que nós encontramos não nos interessam, não têm para nos dar senão a sua mesquinhez das massas e a sua estupidez das massas e com isso nos aborrecem sempre e por toda a parte e naturalmente não temos por elas o mínimo interesse.' Thomas Bernhard (1931-1989) in Derrubar Árvores - uma irritação. Lisboa: Assírio&Alvim, 2007

basta-me

Basta-me Basta-me morrer nesta terra Ser nela enterrada Dissolver-me e desaparecer no seu solo Para então brotar como uma flor E ser colhida pela mão de uma criança do meu país. Basta-me permanecer Abraçada ao meu país, Como um punhado de terra, Como um ramo Como uma flor! Fadwa Tuqan - poetisa palestina enviado por José P. di Cavalcanti Jr.

queria falar do mar

queria falar do mar gostava de ter dito algo como isto: - foi o mar que me fez começar a pensar no amor, mais do que noutra coisa; quero dizer, num amor por que valha a pena morrer, num amor que consuma uma pessoa. yukio mishima

***

Volta o meu filho a casa. Brisa marinha ainda nos cabelos. Há medo conquistado No seu andar e no prazer da viagem. E de salgada espuma Ainda arde em brilho a face requeimada. Tão já fruto maduro No odor bravio e ardor de estranhos sóis. O seu relance é denso De um segredo que nunca saberá De leve enevoado Ao vir da primavera ao nosso inverno. Tanto o botão se abriu Que o fito agora quase com terror E a mim mesmo proíbo A boca que outra boca já escolheu. Os meus braços rodeiam Quem para além de mim cresceu alhei Entregue a um outro mundo — Algo que é meu e tão de mim distante. STEFAN GEORGE, trad. Jorge de Sena *** Poeta e tradutor alemão, Stefan Anton George nasceu na aldeia de Büdesheim, Bingen (Alemanha), a 12 de Julho de 1868, e faleceu em Minusio, Locarno (Suiça), a 4 de Dezembro de 1933. Nascido no seio de uma família católica, aos cinco anos de idade (1873), muda-se para a cidade de Bingen, onde o pai ganha a vida como taberneiro e negociante de vinhos. É na pequena cidade do Ren

***

Certa vez, perguntaram a Anaxágoras porque nascera. E ele respondeu sem vacilações: _ Para ver o sol, a lua e as estrelas.

versos tolos III

Às vezes me pergunto:__ O que vim fazer neste planeta? Não encontro resposta. Sequer sei a música daquela tarde de janeiro, num lugarejo chamado Olhos d'Água, no sertão das Gerais, onde nasci, durante um temporal, numa tarde de verão. Tantos momentos perdidos nas lembranças, tantas histórias vividas. Outras tantas, inventadas Algumas paixões de terra, tantas de árvores e estrelas. E essa saudade de luas, pedras e oceanos. __Tem uma rocha de poemas no olhar das minhas mãos. Amanhã dito o poema final. Às vezes as palavras traem o sentido, e desviam a rota do navio que conhece os perfumes do coração. Sou náufrago, com todos os barulhos, icebergs, recifes e cantigas de corais perfumados. __ O que vim fazer aqui neste planeta? Sequer conheço a canção dos Salmos! Conheço somente as palavras que levam os meus medos para os templos da paixão. Quem é vocè, mulher de prosas, versos livres e sonetos? Muito prazer! O meu nome não diz nada! Diz somente um estilhaço da poesia que me habita. Gran

no espelho dos teus lábios- maria costa

Imagem
o silêncio que agora se mira no espelho dos teus lábios trouxe-me ao mundo porta para outra vereda que me recolherá na morte - minha mãe - devo ser a luz de um sonho antepassado os dias que viajam em vertigem maria costa

união no poema

Algumas palavras nunca precisam ser ditas Alguns poemas nunca ser pronunciados Os olhos a lamber, a beijar, a sugar certos versos embebidos de puro sentir No silêncio se aprofunda o abismo entre poema e leitor Nele epicamente se ergue a ponte divina da salvação, etérea construída palmo a palmo, arquitetonicamente, sofregamente, de palavras escolhidas e colhidas ao vento para unir inabalável e por todo o sempre o coração do poeta ao coração do leitor. Laeticia Jensen Eble

a aranha e o poeta

A aranha tece a teia Eu o poema Há milênios fazendo-a perfeita Eu aprendendo Todos os pequenos bichos se enredam no poema-ceia Só rato, barata, cupim, traça(m) minha teia A aranha mata a fome na rede Meu poema tem a fome fiada nos milênios Diferenças à parte, a aranha não suporta minha indisciplina Carlos Gildemar Pontes

presença no dia

Eu fui Eu fui apenas a amiga daquele anunciado à luz das águas tão claras sua presença no dia sobre o corpo tatuado os arabescos de fera no pasto Assim veio-me ele belo e impulsivo no rastro Terêza Tenório

poesia política

Se matam os poetas, é porque temem a Poesia. Anna Ahkmátova