Já não somos mais poetas





Já não somos mais poetas
Somos corvos

Já não somos mais poetas
Somos corvos

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E nós vemos as linhas de cima

telefónicas

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E nós vemos-te

por cima dos fios

de electricidade

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E nós vemos-te

empuleirados nas antenas

de televisão

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E vemos-te lá dos campos onde nós respigamos
Assim que tu passas com

o teu carro e vais
pagar-te o direito
de circular
num carro

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E vemos-te entrar nas escolas nos Domingos de Maio
E pisar onze papeis
Para designar o chefe de uma multidão
Somos corvos

Não temos chefe

As estações
conhecem-nos
Elas nunca te viram

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E ao que parece vivemos muito tempo, hein!

Tu nunca o vais saber

Preferes meter entre ti e nós

um pára-choque
de aplausos, de razões de ser
conselheiros do Findo de Desemprego, fios, fios, fios,

Preferes meter entre ti e nós

livros
dias
e René Char sob o plástico

debaixo de dois DVD porno

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E as línguas não nos prendem
As línguas desligam-nos e nós desligamo-las
É impossível fazerem-nos reféns ao mesmo tempo que uma língua

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E, às vezes, encontramo-vos

A três, a sete ou a cem mil

Lá onde tu nunca irias imaginar

Uma algazarra doida

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E estoiramo-nos os olhos a nós próprios
Para escapar à tirania do arco-iris
E para libertar o espectro

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E andamos atrás de ti
Quando estás seguro do teu caminho com o teu fio
Quando tu lhe explicas a vida

Já não somos mais poetas
Somos corvos

E entraremos pela tua janela uma noite

Para que te tornes louco
E a todas as tuas perguntas
Responderemos

Nevermore


Thomas Nispola


(Tradução do francês de Tânia Ribeiro)



Obs.Thomas Nispola, voz contemporânea de Toulouse, dá-nos a conhecer os seus versos repletos de inquietude.

Comentários

O desassossego do poema que salta e dança no trapézio destes versos.

Gostei de conhecer Thomas Nispola.
intrigante e extraordinário...
vou reler depois esse diálogo com Poe... obrigado por postar.

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