para fazer um soneto
Em "Para fazer um soneto" descreve Carlos Pena Filho como se deve escrever um poema.
Mas a receita é difícil de seguir.
Pois o primeiro passo diz: "Tome um pouco de azul, se a tarde é clara". Sorver o azul da tarde, tarefa complicada de realizar à risca. Mas é aí que aparece a "palavra inicial" (dada por Deus). Depois, segure bem esta palavra (divina) com uma "atitude avara", ou seja: a partir daí passe a usar apenas o sol que bate na sua cara! Claro, o poeta é de Recife, terra do sol.
Com esta palavra primeira, com o sol e com um pedaço do quintal o poema se constrói.
Mas se não der certo, há uma solução de emergência.
Em vez da luz clara e azul, passe a trabalhar com o tom cinzento e meio obscuro e vago, com o pó que ainda resta em nossas vidas, com os resíduos da memória, a combustão, a borralha de certas substâncias da nossa memória.
Ali está o aniquilamento da nossa infância, o luto da lembrança, a destruição, a humilhação, a dor cinza dessa coisa vaga que são as lembranças da infância.
Não, não se apresse. O curso do rio da voz vai levá-lo ao cerne do poema, àquela escuridão onde se tece a certeza.
Aí sim. Aí o poema começa. Eis:
“Tome um pouco de azul, se a tarde é clara
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.
Aí, adote uma atitude avara:
se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.
Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse,
antes, deixe levá-lo a correnteza.
Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.”
De meu querido Amigo Rogel Samuel
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