A vida é um pau de fósforo


Já vi matar um homem
é terrível a desolação que um corpo deixa
sobre a terra
uma coisa a menos para adorar
quando tudo se apaga
as paisagens descobrem-se perdidas
irreconciliáveis


entendes por isso o meu pânico
nessas noites em que volto sem razão nenhuma
a correr pelo pontão da madeira
onde um homem foi morto


arranco como os atletas ao som de um disparo seco
mas sou apenas alguém que de noite
grita pela casa


há quem diga
que a vida é um pau de fósforo
escasso demais
para o milagre do fogo


hoje estive tão triste
que ardi centenas de fósforos
pela tarde fora
enquanto pensava no homem que vi matar
e de quem não soube nunca nada
nem o nome



José Tolentino Mendonça,
Uma Coisa a Menos para Adorar

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