Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo. Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas, Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu. Grandes são os desertos, minha alma! Grandes são os desertos. Não tirei bilhete para a vida, Errei a porta do sentimento, Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse. Hoje não me resta, em vésperas de viagem, Com a mala aberta esperando a arrumação adiada, Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem, Hoje não me resta (à parte o incómodo de estar assim sentado) Senão saber isto: Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Grande é a vida, e não vale a pena haver vida, Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem) Acendo o cigarro para adiar a viagem, Para adiar todas as viagens. Para adiar o universo in
De mansinho ela entrou, a minha filha. A madrugada entrava como ela, mas não tão de mansinho. Os pés descalços, de ruído menor que o do meu lápis e um riso bem maior que o dos meus versos. Sentou-se no meu colo, de mansinho. O poema invadia como ela, mas não tão mansamente, não com esta exigência tão mansinha. Como um ladrão furtivo, a minha filha roubou-me a inspiração, versos quase chegados, quase meus. E mansamente aqui adormeceu, feliz pelo seu crime. Ana Luisa Amaral
Havia na minha rua uma árvore triste. Quebrou-a o vento. Ficou tombada, dias e dias sem um lamento. (Assim fiquei quando partiste) Saúl Dias (1902-1983) sobre este poeta
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